segunda-feira, 19 de março de 2012

Capela Beato José de Anchieta, exemplo de boa arquitetura católica contemporânea


Considerado um dos principais pontos históricos da cidade de São Paulo, o Pátio do Colégio – do latim Patteo do Collegio –  está aí para apresentar as origens desta metrópole,  cujas marcas estão claramente fixadas no encontro de raças e na expansão do cristianismo.

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Patteo do Collegio, março de 2012. Foto: Bruno Ribeiro.



Antecedentes históricos:
Sob os olhares curiosos dos Guainás e Tupiniquins, um grupo de treze padres da Companhia de Jesus, da qual faziam parte José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, escalaram a Serra do Mar chegando ao planalto de Piratininga. Reuniram-se em torno de uma cabana construída pelo cacique Tibiriça, e ali celebraram a famosa missa de 25 de janeiro de 1554.
A humilde cabana de pau-a-pique, cujas paredes eram feitas com uma armação de paus e cipós preenchida de barro socado,  abrigava também um seminário e uma escola. Nela, José de Anchieta  iniciou seu trabalho como educador de nativos, mais conhecido como catequese. Em 1556, o padre Afonso Brás, precursor da arquitetura brasileira, foi o responsável pela ampliação da construção original,que recebeu oito cubículos para servir de residência aos jesuítas.
Tempos depois  um novo conjunto de colégio - onde foram instalados os primeiros cursos de filosofia, teologia e artes e uma biblioteca e capela - foi construído com a volta dos jesuítas em 1653 ocupando uma área de 1.1502,52 m2. Para essa construção foi utilizada uma técnica mais aprimorada, a taipa de pilão.  Mais uma ampliação, e o Colégio foi incorporado ao edifício principal em uma ala perpendicular na lateral direita, no ano de 1745. Os jesuítas foram expulsos novamente, por decreto do Marquês de Pombal em 1759, com repecurssão mundial que resultou na supressão da Companhia de Jesus, que só seria recobrada no ano de 1954. Isso provocou uma completa alteração em tudo que havia sido feito até então.
O governo então se apropriou dos bens da Companhia de Jesus e o antigo casarão colonial foi completamente descaracterizado por profundas reformas até se transformar no Palácio dos Governadores no período entre 1765 e 1908. Foi nessa época também que a igreja perde seu precioso patrimônio como consequência de um desmoronamento de causas desconhecidas.
Entre 1932 e 1953, o então Palácio do Governo foi  transformado na Secretaria da Educação o que de certa forma, deu ao edifício uma função mais próxima de sua vocação original. Finalmente, o ano de 1954 marcou a retomada do projeto original. A Companhia de Jesus recebeu de volta as instalações e deu-se início à reconstituição do Colégio, nos moldes da terceira construção , permanecendo remanescentes a Cripta, parte de uma parede em taipa de pilão e o antigo torreão.


Capela com as relíquias do Beato José de Anchieta, localizada dentro da Igreja. Foto: Bruno Ribeiro.
                                          
O restauro comprometido com a liturgia católica:
Em meados de 2009, foi realizada uma reforma no interior da Igreja do Beato José de Anchieta,  onde o artista sacro Cláudio Pastro realizou modificações que resgataram as linhas do barroco. As mudanças foram pensadas teologicamente para que a arte estivesse em função da liturgia. Após o término desta reforma, no dia 24 de Outubro de 2009, o Cardeal Dom Odilo Scherer  fez a dedicação do novo altar e abençoou a Igreja.
A primeira etapa da reforma foi realizada no presbitério. O altar de madeira folheado a ouro do século 19 foi substituído por uma peça maciça de granito vermelho de duas toneladas. O retábulo, um grande arco de seis metros, ganhou um painel de azulejos dourados. Na sua frente, suspenso por um cabo de aço, um crucifixo de madeira do século 17. 


Presbitério. Nota-se a preservação do madeiramento da abóbada do teto, bem como das aberturas que
faziam a comunicação com o claustro. Inovação no
retábulo e no mobiliário do altar. - Foto: Bruno Ribeiro.

                                                               "Fiz uma releitura do barroco na linguagem atual. Por conta disso, os azulejos, uma tradição das igrejas ibéricas, são dourados. Os retábulos das antigas igrejas barrocas eram de ouro", explicou o artista plástico Cláudio Pastro, autor do projeto.  
Presbitério: sédia e altar em granito vermelho. Foto: Bruno Ribeiro.
                                              
O piso de granito cinza foi substituído por granito vermelho. A sédia, onde o padre permanece sentado durante a liturgia, se restringiu a uma peça maciça de granito vermelho, de 1,5 tonelada. "O Concílio Vaticano II estabeleceu, na década de 60, que o mobiliário seja de pedra, como uma forma de voltar às origens. A capela ficou mais “clean”. “A estética é teologicamente pensada para que a arte esteja em função da liturgia", disse o padre da capela, Carlos Contieri, confirmando que as alterações do arquiteto estavam de acordo com as normas da Santa Sé.


Nave da Igreja. Nota-se das aberturas e o resgate de soluções que proporcionam o culto à maneira antiga, com a interação do sacerdote
no meio do povo. À esquerda está a pia batismal e à direita o ambão.
Foto: Bruno Ribeiro.

 A segunda etapa da reforma se realizou na nave, onde ficam os fiéis. As paredes laterais ganharam  painéis de azulejos brancos e azuis, que remetem ao estilo português, e contam a história do padre Anchieta. A pia batismal e o ambão (de onde são feitas as leituras da missa) também são de granito.  
Ambão em granito com acabamento flameado. Foto: Bruno Ribeiro.
                                               
Pia batismal. Nota-se a intenção emocional na concepção do formato da
pia batismal, como um poço com uma rocha em acabamento rústico
de onde jorra a água. Foto: Bruno Ribeiro.

 
Pia batismal: detalhe da fonte.Foto: Bruno Ribeiro.

 O projeto de restauro da capela foi algo de inúmeras criticas. No entanto é importante saber que a igreja atual, construída em 1979, é uma réplica da antiga, que foi demolida. "Como o imóvel não é tombado, ele não tem valor histórico e pode ser reformado", afirmaria  Percival Tirapeli, professor de Arte da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em artigo sobre o restauro. Já para o professor de História da Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Benedito Lima de Toledo, a mudança descaracterizou a igreja. "Deveria ser mantido o estilo das igrejas jesuítas, que se caracterizavam pelo despojamento. A arquitetura paulista era simples porque São Paulo era pobre." 1. 


As naves laterais foram decoradas com azulejos que contam passagens bíblicas ou momentos da vida de José de Anchieta. Foto: Bruno Ribeiro.

Detalhe do Sacrário, também de autoria do arquiteto. Foto: Bruno Ribeiro.

Polêmicas a parte, visitar esta capela foi muito importante para mim nestes dias que escrevi sobre a Igreja Católica. Sou adepto da modernidade nas construções religiosas, mas creio que o simbolismo e algumas características importantes para o culto devem ser levados em conta, no momento do projeto, e foi isso que identifiquei no traço de Claudio Pastro. Fica aqui minha dica para que novos arquitetos conheçam esta obra, e que sejam inspirados pela boa arquitetura religiosa na hora de se aventurarem neste campo sagrado.

Notas:


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